Em defesa da democracia no Brasil

Em defesa da democracia, por Merval Pereira


Merval Pereira, O Globo

A sessão de ontem do Supremo Tribunal Federal não apenas colocou um fecho no processo do mensalão, definindo como ação de quadrilha a relação do núcleo político do PT com os grupos do lobista Marcos Valério e os financiadores do esquema, como indicou que serão pesadas as penas para os principais envolvidos na trama criminosa.

O decano do STF, ministro Celso de Mello, chamou-os de “sociedade de delinquentes”. Marco Aurélio Mello releu discurso histórico que fez ao assumir a presidência do Tribunal Superior Eleitoral em 2006, quando definiu os mensaleiros como grupo “seduzido pelo projeto de alcançar o poder de uma forma ilimitada e duradoura”.

Gilmar Mendes destacou que a paz social fica em risco quando se procura desmoralizar a democracia. “Não tenho dúvida de que a gravidade dos fatos atenta contra a paz pública na concepção social. (...) Sem dúvida isso subverte a lógica das instituições colocando em risco a própria sociedade”.

O ministro Luiz Fux baseou seu voto de condenação no fato de que o Supremo já decidira que existia um “projeto delinquencial” de longa duração.

O presidente do Supremo, Ayres Britto, também foi pela mesma linha de considerar que a ação dos grupos em coordenação caracterizava bem uma quadrilha que pôs em risco a paz pública ao atentar contra o estado democrático de direito.

Em maio de 2006, Marco Aurélio Mello faria um discurso de posse tão destemido, em pleno escândalo do mensalão, que, ele revelou ontem, sugeriu que o então presidente Lula não comparecesse à cerimônia para evitar constrangimentos.

Ele disse na ocasião, e repetiu ontem, que o Brasil se tornara o país do “faz de conta”. “Infelizmente, vivenciamos tempos muito estranhos, em que se tornou lugar-comum falar dos descalabros que, envolvendo a vida pública, se infiltraram na população brasileira — composta, na maior parte, de gente ordeira e honesta — um misto de revolta, desprezo e até mesmo repugnância”.

Celso de Mello disse que nunca, em 44 anos de atuação na área jurídica, viu tão caracterizada uma quadrilha quanto neste caso. Comparou a quadrilha do mensalão às quadrilhas que atuam no Rio e ao PCC paulista. “Conspiradores à sombra do Estado, quebrando a tranquilidade da ordem e segurança”.

O decano disse que o que via nesse processo eram “homens que desconhecem a República, que vilipendiaram o estado democrático de direito e desonraram o espírito republicano. Mais do que práticas criminosas, identifico no comportamento desses réus, notadamente, grave atentado à ordem democrática”.

Gilmar Mendes classificou de “naturalista” a interpretação que levou as ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia a negar a existência de quadrilha, e ressaltou que no decorrer do julgamento já fora determinado que a democracia brasileira esteve em risco com os crimes do mensalão.

O ministro Luiz Fux asseverou que na literatura jurídica não há exemplo de um crime praticado em coautoria ao longo de dois anos e que não faz sentido condenar membros dos diversos núcleos do mensalão sem enxergar que essas condutas só puderam ser praticadas graças a uma associação estável entre os réus já condenados.

O presidente do Supremo, Ayres Britto, encerrou a sessão com seu voto, que condenou os mensaleiros por crime de quadrilha. Ele baseou sua decisão no convencimento de que a paz pública foi afetada e que é preciso condenar os culpados para que a sociedade não perca a crença de que seu Estado dará a resposta adequada.

“A paz pública é essa sensação coletiva em que o povo nutre a segurança em seu Estado. O trem da ordem jurídica não pode descarrilhar. Dessa confiança coletiva no controle estatal é que me parece vir a paz pública. A tranquilidade resulta da confiança. (...) O fato é que a sociedade não pode decair da confiança de que o Estado manterá as coisas sob controle. Paz pública é isso.”

Pelo teor dos seis votos que condenaram os réus pelo crime de quadrilha, confirmando a acusação do procurador-geral da República, as penas dos condenados principais serão pesadas.

Haverá um abrandamento a um ou outro réu, como já indicou o presidente do STF em relação à posição secundária de José Genoino na presidência do PT ou dos sócios de Marcos Valério, mas os cabeças do esquema —José Dirceu, Delúbio Soares e Marcos Valério — devem ser condenados com penas agravantes.

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